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terça-feira, 4 de janeiro de 2011

“A Fotografia é necessária… ”

Com este encantador e paradoxal epigrama, o fotógrafo parisiense Nadar, em 1866, resumiu, ao mesmo tempo, a necessidade da nova arte e seu discutível papel dentro da emergente sociedade Industrial.
A Modernidade adquiriu o hábito de tomar a fotografia como substituto do real e não como fotografia; como obra fotográfica; como construção imaginária e estética. Nesse sentido, o advento da fotografia permitiu o questionamento da dogmática clássica, substituindo a "Arte Pura" pelo "Discurso da Arte", devidamente inserido dentro dos novos propósitos, gerado pelas novas demandas desse momento histórico.
A Fotografia antes de tudo é uma linguagem; um sistema de códigos verbais ou visuais; um instrumento de comunicação. A primeira função de toda a linguagem é "significar", a segunda é "afirmar o eu" e a terceira é "comunicar".
Desde os primórdios, o homem se apodera da natureza transformando-a. O trabalho é a transformação da natureza. O homem sonha com um trabalho mágico de transformação, sonha com a capacidade de mudar os objetos e dar-lhes novas formas e sentidos por meios mágicos. Trata-se de um equivalente, na imaginação, daquilo que o trabalho significa na realidade; o homem, a princípio, apresenta grande paixão pelo fantástico.
O homem evoluiu por meio da utilização de ferramentas. Ele se aperfeiçoou produzindo novos utensílios. Não há ferramenta sem o homem e vice-versa. Os dois passaram a coexistir, indissoluvelmente ligados. A imaginação é a sua essência. Ela é tão importante para o domínio da arte quanto da própria natureza. Criar, desde o momento em que homem se tornou homem, sempre foi, antes de tudo, uma necessidade vital: algo como respirar.
Com a Fotografia, pela primeira vez, a mão se liberou das tarefas artísticas essenciais, concernentes à reprodução das imagens que desde então foram apreendidas pelo olho fixado sobre a objetiva.
No advento da Fotografia já estava contido o germe do futuro cinema, da televisão, das imagens digitais, dos novos discursos visuais e de outras tecnologias que estão por vir. Inaugurava-se assim, o instrumento mágico capaz de produzir sonhos…
A Fotografia ressalta aspectos do original que escapam ao olho humano e só podem ser apreendidos por uma câmera que se mova livremente para obter diversos ângulos de visão. Graças a procedimentos como ampliação, velocidades lentas e outros recursos técnicos podem-se atingir realidades despercebidas por qualquer visão natural.
Seus recursos na reprodução de imagens são capazes de criar efeitos ou situações que não são percebidos na cena real. Seu poder de impacto permite maior aproximação da obra e do seu espectador.
A subjetividade que lhe é própria pode mentir, provocar, chocar, gerar cumplicidade, evocar sensações sensuais ou de dor, movimento, odor, som, etc. Proporciona prazer estético, e, também, manipular a opinião pública em favor dos interesses do próprio fotógrafo ou de seus respectivos clientes.
Toda arte é condicionada pelo seu tempo em consonância com idéias, aspirações, necessidades e esperanças de uma situação histórica em particular. Mas ao mesmo tempo, a arte supera essa limitação e, dentro do momento histórico, cria também um momento de superação que permite continuidade no seu desenvolvimento.
O próprio fotógrafo exercita um trabalho intelectual. Raciocina, sente e produz por meio de seu intelecto criativo, padrão cultural, técnica e experiência de vida. A boa fotografia é resultado de árduo projeto e não um mero "acidente fotográfico".
Ou, como afirma Henri Cartier-Bresson, "fotografar é reconhecer, ao mesmo tempo e numa fração de segundo, um evento e a organização rigorosa das formas percebidas visualmente e que expressam esse evento. É reunir, no mesmo ponto de vista, a cabeça, o olhar e o coração".
A Fotografia é um dos inúmeros modos de divulgar cultura e produzir conhecimento. A obra do fotógrafo não necessita de discursos e, menos ainda, das justificativas de seu autor. Ela antes de tudo, informa, fala por si mesma…
Ela é auto-suficiente… É coesa, objetiva, bem lapidada… Esteticamente perfeita… Dispensa, aliás, tais adjetivos ou outras atribuições. Arte e fotografia andam juntas. Estão em plena cumplicidade.
Por mais que se queira apreender a realidade em toda a sua amplitude, qualquer tentativa técnica é parcial, mesmo porque cada um de nós a concebe e interpreta de modos distintos. E tudo aquilo que não é real ou análogo, passa a estar a serviço das mitologias, das manifestações imaginárias, culturais ou artísticas contemporâneas.
Originariamente, a preponderância absoluta do valor de culto fizera da obra de arte, sobretudo um instrumento mágico, restrito às elites de cada época. Muito mais tarde, até certo ponto, ela seria reconhecida como tal. Na modernidade, a preponderância absoluta de seu valor expositivo lhe empresta funções inteiramente novas. Entre as quais pode ocorrer que aquela da qual temos consciência – a função artística – apareça depois como acessória, meros produtos gerados pela indústria cultural, com o propósito de democratização do saber, já que a fotografia, e mais ainda o cinema, desde o seu advento, são claros testemunhos nesta vertente. Deve-se, contudo ponderar que toda a produção artística, cultural, intelectual ou mesmo cientifica, sempre se apresentou, de algum modo, antagônica. Ora, em sintonia com os interesses econômicos e políticos de seu respectivo momento histórico, ou como instrumento de contestação e superação.
Portanto, a imagem fotográfica não é, a princípio, uma forma de arte. Como linguagem, ela é o meio pelo qual a obra de arte é realizada.
A Fotografia é sempre uma imagem de algo. Está atrelada ao referencial que atesta a sua existência e todo o processo histórico que o gerou. Ler uma Fotografia implica reconstituir no tempo seu assunto, derivá-lo no passado e conjugá-lo a um futuro virtual. Assim, a linguagem fotográfica é essencialmente metafórica: atribui novas formas, novas cores e novos sentidos conotativos ou denotativos; comprova que a Fotografia não está limitada apenas ao seu referente.
Ela o ultrapassa na medida em que o seu tempo presente é reconstituído, que o seu passado não pode deixar de ser considerado, e que o seu futuro também estará em jogo. Ou seja, a sobrevivência de sua imagem está intimamente ligada à genialidade criativa e ao potencial cultural e intelectual de seu autor.
A mensagem fotográfica deve transpor sua condição documental, de verossimilhança e sempre transmitir algo mais forte, com maior impacto, que supere sua própria imagem. A Fotografia como toda arte contemporânea, é uma ferramenta de percepção para transformar e abrir novos horizontes.


ILUSTAÇÃO:

Charles Beaudelaire, fotografado por Nadar, Paris, 1863.